Hoje, pela primeira vez, conseguiram que eu deixasse o leito depois de tanto tempo em que nele tenho ficado, indiferente a tudo, desejando unicamente que a morte venha, para ter sossego completo e total esquecimento.
Dizem que devo viver. Dr. Mendes não cansa de insistir nisso afirmando-me que precisam de mim, que pelo menos alguém precisa de mim. Mas não tenho vontade de viver. Nem mesmo sei porque deixei que me trouxessem aqui, junto da janela. Meus olhos erram pela paisagem tranquila e vejo que as flores estão mais belas nesta estação e o céu muito azul. Há vida em tudo. Os doentes em convalescença, que passeiam pelo jardim, sob a discreta vigilância das enfermeiras, terão vontade de voltar a vida normal? Quantos, como eu, desejam esquecer porque vieram parar aqui?!
Se eu pudesse esquecer! Se conseguisse chegar a conclusão, como afirmam muitos, de que não tive culpa. Mas foi culpa minha, eu sei! Eu podia ter evitado o que aconteceu. Ele estaria vivo ainda! Vivo! E por que não estou morta também? Por que não me deixaram morrer? Por que insistem que eu viva quando quero esquecer, esquecer?!
Daqui do alto avisto a cidade ao longe. Ela não é muito importante nem tão pouco obscura. Niterói, lembro, sempre me agradou. Gostava de ver o movimento dos bancos da Amaral Peixoto, suas casas comerciais; tinha orgulho de saber que os colégios, recomendados pelo ensino severo, eram frequentados por alunos vindos de toda a parte. Amava o velho prédio onde funcionava a Biblioteca Pública; adorava caminhar pelos jardins arborizados; apreciava as residências bonitas e confortáveis do bairro chique, onde morava tio Gustavo. Amava, sobretudo, as paisagens tranquilas e belas que atraem visitantes de outras cidades. Tinha orgulho de ter nascido em Niterói. Agora, depois de tantos anos, tenho até saudade do bairro pobre, mas tão limpo de sossegado, onde, sem saber, fui feliz na meninice. Lembro-me da nossa casa, com o pequeno jardim florido. O portão ainda terá o mesmo ruído ao abrir e fechar, que papai sempre falava em tirar e, talvez, por preguiça, talvez até por achá-lo musical, deixou ficar. Ainda existirá o velho Quincas, quitandeiro, que sempre tinha pra mim uma fruta? E a Eufrásia, lavadeira, tão feia que me causava medo e que, no entanto, me queria tão bem? Por que relembro tudo agora e tenho os olhos cheios de lágrimas?!
Por que pensar na minha vida se não quero mais viver?!
Onde estão todos que amei, que desprezei e cheguei mesmo a odiar; aqueles que, de qualquer forma, fizeram parte da minha vida? Alguns ainda vivem, mas, (interessante!) parece que já estão todos mortos, que eu mesma já morri. Pelo menos a vida pra mim não tem mais sentido. Esta inquietação não me deixa um só momento. Não quero mais viver! Não quero!
No entanto, não sei porque, agora que desejo tanto que a morte me traga o esquecimento e a calma, começo a relembrar tudo que vivi. Talvez seja porque estou me despedindo da vida. Talvez...
Cerro os olhos e vejo tudo novamente como se recomeçasse a viver...
terça-feira, 21 de abril de 2009
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